sábado, 4 de julho de 2009

LIBERDADE

Liberdade é uma palavra que evoca os melhores sentimentos quando a escutamos. Em nome da liberdade, as democracias se impuseram sobre as tiranias, os avanços científicos sobre séculos de escuridade, e o livre comércio proporcionou um progresso econômico sem comparação na história da Humanidade.

É por isso que utilizar a palavra liberdade como argumento para justificar nossos atos resulta muito convincente, já que –sempre que se respeite a máxima “minha liberdade termina onde começa a dos demais”- ninguém que se considere democrata se atreveria a colocá-la em interdição.


Ter uma ferramenta tão potente se volta muito atrativa politicamente, já que qualquer opinião pode defender-se mencionando “meu direito” a pensar, fazer ou decidir. Por isso não deveríamos perder de vista que a liberdade não pode servir como escusa para qualquer ação. Da mesma forma que ninguém veria legítimo o direito a matar com base no seu arbítrio, deveríamos exigir que a palavra liberdade não fora maltratada para justificar qualquer ato, pois no seu nome não só se defendem os mais altos ideais, mas também pretendem alguns credenciar seu direito a quebrar as normas humanas mais fundamentais:

- Em nome da liberdade de empresa alguns justificam que são mais importantes as patentes e os benefícios das farmacêuticas que as vidas dos milhões de seres que morrem cada ano no terceiro Mundo de aids, malária ou gripe (A, B ou Z, que ali tanto dá). Querer estender a todos os âmbitos o mercado livre –especulativo- de umas elites, permite que lucrar no cassino dos futuros sobre alimentos básicos condene ao fome a meio mundo.
- O suposto direito dos trabalhadores a exercer tanto tempo como queiram era o pretexto para autorizar as jornadas trabalhistas de 65 horas (que capacidade para negar-se terá aquele que depende de seu salário para sustentar a sua família?. E a liberdade de horários no comércio beneficia às grandes superfícies –onde, claro, contratarão a trabalhadores que “escolham” fazer jornadas de 65 horas-, prejudicando ao comércio de autônomos que não pode competir 24x7.
- Os exemplos não aplicam só à economia: o impacto da atividade humana sobre o meio ambiente, a colonização sobre línguas e culturas em desvantagem, o menosprezo dos direitos de as minorias étnicas e de todo tipo, etc.


Mas este uso imoral da palavra liberdade não é o único que quero censurar aqui.

Se só denunciássemos o “nível moral” dessas decisões, e como repercutem sobre os demais, a discussão entraria no plano da ética; e assim argumentariam que a moral é pessoal, que não há baremas absolutos para julgar as conseqüências de seus atos.

Mas ocorre que quem dizem falar em nome da liberdade para justificar-se, fogem dela quando não lhes é propicia. Atrás desse argumento se esconde em algumas ocasiões o duplo moral ou, simplesmente, a lei do mais forte:

- As regras do livre mercado só se defendem quando somos o lado forte: exigimos aos países em desenvolvimento que não ponham barreiras ao comércio, enquanto subvencionamos nossa agricultura; lhe pedimos à China e India que busquem um modelo econômico que não prejudique ao meio, enquanto não fazemos nada por mudar o nosso; reclamam ao Estado “laissez faire!”, e depois clamam por “um parêntese na livre economia” (essa frase do presidente dos empresarios espanhois ficará para sempre em minha memória…)
- O status de uma língua depende de qual seja, quem a fale e onde: “as línguas não têm direitos, só as pessoas” –dizem-, mas esse direito se lhe nega a um galego em Madri, porque ali “o idioma único é o espanhol” (mas não era que as línguas não têm direitos?); os mesmos que louvam que a convivência “harmônica” nos territórios bilíngües é uma virtude, em suas regiões não querem aprender outra língua do Estado –como fazem na Suíça, o Canadá, etc.-, ou criticam o uso de anglicismos que põem “em perigo” a língua de Cervantes.
- E o direito individual a escolher, tantas vezes defendido em outros âmbitos, lhe o negam a segundo quem o reclama: as mulheres, quando se trata de planejar sua maternidade, sobressaindo sobre elas o direito do óvulo fecundado; ou a quem reclama algo tão básico como seu direito a morrer em paz.


Tudo isso é fazer uso da palavra liberdade para, simplesmente, justificar-se na lei do mais forte. E, claro, fazê-lo só quando lhes convem. Se são o lado débil da balança, ou pedem ajuda (resgate do Estado a empresas e bancos em apuros), ou buscam credenciar sua “liberdade de eleição” desde o ponto de vista que lhes resulte mais rentável a seus interesses: o direito à autodeterminação dos povos em nível do Estado, e o funcionamento da economia do Estado ao mercado; o direito a defender a língua própria de um pais em nível individual, e o direito a ter uma morte digna em mãos do Senhor.


Isso não é liberdade, é aproveitar-se de seu bom nome. E essa dupla moral não os há “mais democratas”, mas tudo o contrário.

Liberdade é a capacidade de poder dizer o que penso sem ataduras de ninguém. E o que eu penso é que jamais utilizaria minha liberdade como pretexto para justificar que haja pessoas no Terceiro Mundo que morram de doenças das que qualquer em Ocidente sanaria; que a língua e a cultura dos meus antepassados se desvaneça enquanto meus filhos herdam um Planeta em perigo e uns recursos esgotados; que um trabalhador não tenha condições de trabalho e salário dignos; que uma mulher não possa decidir quando e quando não ter um filho; ou que se obrigue a um homem a viver uma vida que eu não quisesse para mim.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo blogue e por esta bela defesa da liberdade.

    Boa escolha para começar esta caminhada virtual: reivindicar a liberdade e denunciar a prostituição do valor mais elevado do ser humano às mãos dos seus próprios algozes.

    Saudações cordiais.

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